sexta-feira, 4 de abril de 2008

SNS: REFORMAR PARA SOBREVIVER

Artigo de Opinião - In PÚBLICO de 4/04/2008
Autor: - Dr. Luís Campos - Internista
Compreende-se que seja corrigida a forma como estavam a ser implementadas e comunicadas algumas mudanças iniciadas na saúde, mas, para bem de todos nós, era vital que o rumo da mudança iniciada não fosse alterado.
A área da saúde tem assistido a mudanças vertiginosas nos últimos anos e vai continuar a assistir: - entre 1990 e 2020 o número de idosos em Portugal aumentará em um milhão, as doenças crónicas crescem neste grupo 2,5% ao ano, os problemas sociais avolumam-se nas enfermarias, as pessoas deixaram de morrer em casa para morrer nos hospitais, os doentes estão mais informados e exigentes, assumindo-se como parceiros dos cuidados, mas trazendo consigo expectativas, muitas vezes exageradas, em relação àquilo que a Medicina lhes pode dar, habituados que estão aos casos de sucesso que vêem na televisão.
E também do lado da prestação de cuidados se observam mudanças: - uma tendência para a hiper especialização que faz com que os médicos saibam cada vez mais sobre cada vez menos. Essa tendência é inexorável e, no caso de alguns procedimentos e patologias, mesmo desejável, pois em muitos casos é preciso garantir uma casuística mínima para manter a qualidade. O exemplo mais mediático é o número mínimo de 1.500 partos para as maternidades, mas o mesmo se pode afirmar para os cateterismos cardíacos ou para os doentes politraumatizados. Esta evolução tem como consequência que o exercício da Medicina moderna seja predominantemente de equipa, mas também que haja necessidade de sintetizadores, médicos que abordem os doentes como um todo e coordenem os seus cuidados. Esses médicos são os pediatras, no caso das crianças, os internistas para os adultos e os especialistas de Medicina Geral e Familiar.
Outras modificações que estão a ocorrer do lado da oferta de cuidados são o surgimento constante de novas tecnologias e medicamentos, uma manifesta variabilidade da prática clínica, a escassez de médicos para os próximos anos, o aumento das despesas em saúde e o crescimento do sector privado, entre outros.
Todas estas transformações obrigam os sistemas de saúde a mudar para se adaptarem. Os denominadores comuns destas mudanças nos sistemas de saúde dos vários países têm sido o investimento nos cuidados primários, a necessidade de hospitais de agudos com uma dimensão adequada, a concentração de recursos, o combate ao desperdício, sistemas de informação robustos, implementação de protocolos, diversificação e tipificação dos níveis de cuidados, resposta integrada e pró-activa aos doentes crónicos e tendência para que o Estado seja cada vez mais regulador e menos prestador de cuidados.
No entanto, não há uma receita milagrosa para estas mudanças. Os sistemas de saúde são, na teoria dos sistemas, complexos e adaptativos com uma grande zona de imprevisibilidade. A atitude mais correcta em relação a estes sistemas não é a de apostar tudo em soluções universais, mas diversificar e avaliar, fazer como os agricultores que plantam, observam, cortam os maus ramos e estimulam os bons. Infelizmente, esta cultura de avaliação com rigor não tem sido a nossa prática. Não o foi no caso das centenas de serviços de atendimento permanente, nem com a Unidade Local de Saúde de Matosinhos, nem com o Hospital de Vila da Feira, nem com o da Amadora, nem com os hospitais SA, nem com os 13 centros hospitalares criados nos últimos três anos. Esta avaliação na saúde não é um desperdício: - é uma obrigação para que, cada vez mais, as mudanças sejam baseadas na evidência.

terça-feira, 1 de abril de 2008

PENSAR NO FUTURO

Quando há dias procedia à arrumação de diversas revistas no meu escritório, deparei com um exemplar do “Boletim do Sindicato Independente dos Médicos” de 1994 (nº 6), no qual encontrei um artigo da minha autoria. Reflectindo sobre ele e sobre a realidade que os médicos têm vivido desde então (especialmente nos últimos anos), decidi recuperar alguns extractos que considero mais significativos, adicionar mais algum conteúdo e publicar, tendo em vista o lançamento da reflexão sobre um documento e a sua adequação à realidade da actividade profissional dos médicos nos dias que correm …
Extractos do Artigo citado

"… Defendi que as Unidades de Saúde Públicas (USP) deverão adoptar formas de gestão em que, ao contrário do que tem acontecido até agora, o trabalho dos profissionais de saúde não seja considerado um fim em si mesmo mas, tão somente, um meio de obter resultados. Portanto com regras de funcionamento que lhes permitam uma gestão orientada para e pelos resultados e que comprometa todos os que nelas trabalham. Tal mudança só é possível com uma descentralização efectiva da gestão dos Serviços de Saúde, nomeadamente no que respeita aos aspectos económicos e de planificação regional e local, de tal modo que as USP possam usufruir de real autonomia administrativa e financeira…" "…Urge implementar uma gestão de tipo empresarial nas USP, conforme já acontece em alguns e tem vindo a ser implementado noutros países da Europa Comunitária. Em termos práticos, tal evolução implicará a necessidade de repensar a actual relação jurídica de emprego dos profissionais de saúde…" "… Para alguns, a funcionalização (modelo da função pública) parecerá uma opção certa, tanto mais que o Serviço Nacional de Saúde é um serviço público. Por outro lado, e apesar de tudo, o referido modelo é o que ainda parece dar mais segurança e estabilidade de emprego. Finalmente, se o actual sistema remuneratório se baseia no sistema retributivo da função pública, parece lógico que a relação jurídica de emprego dos profissionais de saúde continue a ser a do funcionário público. Acontece porém que uma gestão de tipo empresarial, como a que se deseja, exige uma relação jurídica de emprego flexível e adaptativa, que não se verifica no modelo de "funcionário público". Do mesmo modo, uma política retributiva realmente compensadora, com incentivos para os que trabalham mais e melhor (prática indispensável para um gestão orientada para os resultados) não pode ser levada a cabo no actual sistema remuneratório da função pública. Encontramo-nos no advento duma mudança em que se nos coloca uma aparente situação de conflito: - relação jurídica de emprego flexível e adaptativa (necessária à gestão empresarial), versus rígida e estável (característica do modelo da função pública). Foi propositadamente que referi uma "aparente situação de conflito". Porque de facto existem fórmulas que permitem garantir o direito ao trabalho e a flexibilidade organizativa indispensável à gestão empresarial, de que todos poderemos beneficiar. Em minha opinião, um novo "Estatuto do Médico" é peça indispensável para salvaguarda do que acabo de referir…"
O “Estatuto do Médico”
O “Estatuto do Médico”, publicado pelo Decreto lei nº 373/79 em 8 de Setembro de 1979, continua em vigor…
Não é necessário fazer o retrato da realidade em que vivemos trinta anos depois…
Entretanto Importa referir que as instituições privadas de saúde (em paralelo com sistemas de financiamento alternativo ao SNS), têm vindo a adquirir cada vez mais importância, quer enquanto instituições de prestação de cuidados, quer como entidades empregadoras dos médicos.
Apesar de todas estas evidências não me tenho apercebido que o que decorre das transformações verificadas na área da Saúde seja motivo de reflexão sobre o “Estatuto do Médico”… que cada vez menos é ou será “funcionário público” e cada vez mais desempenhará a sua actividade em trabalho por conta de outrem…
Não será mais do que oportuno pugnar por um "Estatuto do Médico" que abarque toda a realidade actual e estabeleça as bases de uma nova organização do trabalho médico, de carreiras médicas e muito mais, independentemente das instituições em que este desempenhe as suas funções?