domingo, 8 de junho de 2008

A AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO DOS CONSELHOS DE ADMINISTRAÇÃO

Em meados de Fevereiro deste ano, o Ministério da Saúde publicou legislação tendo em vista a avaliação de desempenho dos Conselhos de Administração dos Hospitais E.P.E.
O jornal Tempo Medicina (TM) ouviu a opinião de alguns elementos desses Conselhos de Administração (CA).
Todos manifestaram concordância com a existência de tal avaliação. Mas, exceptuando um, também todos os entrevistados manifestaram algumas reservas de diversa natureza.
Subjacente a estas reservas, estava o conhecimento dos indicadores para avaliação do desempenho, o espaço temporal em que a mesma se verificaria e, naturalmente, as diversas condicionantes para o exercício das suas funções.
Cada instituição tem uma missão, “enquadrada” num Plano de Actividades trianual e num Contrato Programa anual com a tutela.
Daqui deverá resultar uma estratégia com a definição anual dos respectivos objectivos operacionais e, consequentemente, com os objectivos de cada Serviço da instituição.
Tais objectivos têm que ser quantificados – tanto os qualitativos como os quantitativos – para poderem ser medidos e, portanto, monitorizados e avaliado o seu grau de concretização.
Ou seja: - a avaliação de desempenho a que nos referimos terá que levar em conta os resultados institucionais quantificados, sob todas as vertentes. Também não poderá deixar de considerar a evolução comparativa dos mesmos, ao longo do tempo.
Mas tal avaliação comparativa no tempo não poderá cingir-se à comparação com o ano anterior… e ainda terá que levar em conta todos os factores de interferência externa nas instituições, nomeadamente com origem em órgãos da tutela.
E aqui chegamos àqueles que interferem com os Serviços de Acção Médica, sem qualquer possibilidade de controlo pelos CA, com inevitáveis reflexos nos resultados da instituição.
Embora seja verdade que dum ponto de vista conceptual os CA das unidades E.P.E. são autónomos, na prática não o são verdadeiramente.
Provavelmente por razões culturais (ou outras), não é raro que órgãos da tutela interfiram directa ou indirectamente na estratégica e/ou decisões de Conselhos de Administração.
Uma das formas de interferência é a produção de directrizes que por vezes contrariam o que está regulamentado. E, como se isso não bastasse, com aplicação retroactiva…
Por exemplo: - de acordo com o regulamentado no Manual do Sistema de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC), os Serviços Cirúrgicos em cuja gestão das listas de inscritos existam desconformidades graves são penalizados em eventuais intervenções realizadas em “produção adicional”.
Perante esta realidade – e a afirmação do CA de que se cumpriria o regulamentado – os médicos de um Serviço Cirúrgico de um hospital optaram por não fazer “produção adicional” em 2006, visto que não poderiam receber a respectiva remuneração.
Noutros hospitais, apesar de haver idênticas desconformidades, os respectivos CA não se pronunciaram sobre o assunto e diversas equipas realizaram a citada “produção adicional”.
Em Maio de 2007, chegou aos CA dos vários hospitais uma directriz segundo a qual não se aplicava ao ano de 2006 o que antecipadamente estava regulamentado sobre esta matéria…
Como é evidente, para os profissionais do hospital que zelou pelo cumprimento do regulamentado, o respectivo CA foi o “responsável” pelo facto de terem perdido a oportunidade de ganhar uns milhares de Euro…
Fácil é imaginar como esta “intervenção” de um órgão da tutela contribuiu para a motivação dos cumpridores…
E também para estimular os outros CA e profissionais deles dependentes ao incumprimento de regulamentos em vigor…
Sustentados por esta directriz, os CA permissivos pagaram retroactivamente uns milhões de Euro aos seus profissionais, que tanta “produção adicional” realizaram, nomeadamente quando comparados com os do primeiro hospital. E nem vale a pena questionar as bases científicas que sustentaram a contratualização da “produção base” nesses hospitais “facilitadores”, para que tanta “produção adicional” pudesse ter lugar…
Os exemplos dos factores externos que condicionam toda a acção de um CA, sem que este tenha armas que possa usar com legitimidade, são imensos.
Tantos que se torna enfadonho elencá-los.
Mas gostava de salientar alguns dos que, de forma mais relevante, evidenciam como está dificultada a missão dos CA para motivar os seus profissionais.
No que se refere aos médicos, a ausência de um estatuto e de um acordo colectivo de trabalho é causa de grandes diferenças entre os profissionais com vínculo à Função Pública e os que estão vinculados por Contratos Individuais de Trabalho (CTI).
Nomeadamente porque é possível o pagamento de incentivos ou outras recompensas aos segundos, que estão vedados aos primeiros.
Em contraponto, pelo mesmo motivo, assiste-se nesta altura a uma concorrência para contratação de médicos entre as instituições públicas, que nada beneficia o SNS. Nomeadamente do ponto de vista de organização de Serviços e da fixação de profissionais nas regiões mais carenciadas.
Em alguns hospitais, os Directores de Serviço têm que proceder à avaliação de desempenho dos médicos em CTI ou CPS, noutros nem por isso.
E quanto àqueles que têm vínculo à Função Pública, até agora só têm sido avaliados nos concursos de habilitação ou provimento da respectiva carreira.
Na generalidade dos hospitais E.P.E, estas situações de diferença de tipo de vínculo coexistem (ainda com predomínio da função pública).
Como também coexistem, sem infracção legal, as diferentes posturas relativas à avaliação.
Se associarmos a este facto o “forte estímulo” remuneratório atribuído aos Directores de Serviço (esmagadoramente com vínculo à função pública e no topo da carreira), percebe-se que a grande maioria opte por não se incomodar.
Como todos os médicos do respectivo Serviço possuem competências técnicas reconhecidas legalmente, não vale a pena diferenciá-los pelo seu maior ou menor empenho, espírito de iniciativa, espírito de equipa, relacionamento com os outros profissionais, valorização profissional e tantos outros critérios de avaliação possíveis.
Em última análise só vão arranjar inimizades, mau clima no Serviço, insatisfação, desmotivação…
Entretanto, os Colégios das diversas Especialidades da Ordem dos Médicos (OM) nunca se pronunciaram sobre indicadores qualitativos de referência, ou seja, directa ou indirectamente sobre resultados desejáveis para os serviços prestados pelas unidades de saúde.
Neste contexto, penso que o Bastonário tem razão ao afirmar que a OM tem um papel a desempenhar na avaliação de desempenho dos Conselhos de Administração.
Como se torna evidente, o que afirmo para os médicos é válido (com as devidas adaptações) para os outros grupos profissionais.
Percebe-se assim a afirmação que fiz ao TM: - avaliar o desempenho dos Conselhos de Administração esquecendo tudo isto e muito mais é como começar uma casa pelo telhado.
Os resultados estão intimamente associados e dependentes da contratualização com a tutela.
Digam o que disserem, esta é do tipo “top-down”.
O que daí resulta é uma contratualização em “cascata”.
Neste contexto, também tem que existir um sistema de avaliação de desempenho em “cascata”, regulado, transparente, com tudo o que isso implica de reconhecimento e recompensas (sejam elas quais forem).
Doutra forma, os Conselhos de Administração não terão capacidade de implementar verdadeiros modelos de gestão participativa, de motivar os profissionais, para que destes possam obter a indispensável participação na monitorização permanente da evolução dos resultados, análise crítica dos desvios e consequente implementação atempada de acções correctivas que permitam alcançar os melhores resultados finais.
Compete à tutela definir e regular aquilo que permita às instituições um funcionamento e uma avaliação de desempenho de todos os actores baseado na transparência e na verdade.
Sem “ferramentas” que permitam aos CA adoptar estratégias para o melhor desempenho da instituição – o que significa obter resultados qualitativos e quantitativos – ou com interferências de órgãos da tutela que destroem essas estratégias, não se está a seguir o caminho certo.
É dever de todos os órgãos da tutela respeitar a autonomia dos Conselhos de Administração das unidades E.P.E. e a dignidade dos seus dirigentes.
Por outro lado, a transparência, verdade, lealdade e solidariedade são valores fundamentais que exigem reciprocidade permanente.
Finalmente - mas não menos importante - é indispensável ter sempre presente que, como todos os outros actores do SNS, os profissionais que integram os Conselhos de Administração também são seres humanos que têm de ser motivados e que devem ser objecto de reconhecimento, em todas as circunstâncias que o justifiquem.
Quando isso não se verifica, os que se movem fundamentalmente por causas e princípios abandonam definitivamente os líderes…