quarta-feira, 15 de abril de 2009

A QUALIDADE EM SAÚDE

O conceito de qualidade em saúde pode ser exprimido de diversas formas.
Obtemos certamente várias respostas se colocarmos a diversos interlocutores a questão: - quais são os atributos dos cuidados que permitem definir diferentes graus de qualidade em saúde?
É a partir dessa diversidade de opiniões que podemos construir uma definição de qualidade em saúde.
Se dirigimos a citada pergunta aos doentes (utentes), a sua valorização será orientada em primeiro lugar para atributos como a acessibilidade aos serviços de saúde, a equidade desse acesso, para a envolvente dos cuidados, bem como dos apoios existentes.
Os profissionais de saúde, no entanto, tendem a privilegiar a excelência profissional (qualidade técnica dos procedimentos) e os resultados dos cuidados.
Em contraponto, os gestores dos serviços considerarão em primeiro lugar a eficiência e a efectividade dos cuidados.
Finalmente, os responsáveis pelas entidades pagadoras dos serviços de saúde terão em conta o número de doentes que recebem cuidados num determinado período de tempo, o custo por episódio ou tratamento, os resultados dos cuidados e, por exemplo, a atenção para com os seus beneficiários.
Se reflectirmos sobre essas opiniões, creio que podemos chegar a uma definição que faz a síntese de todas elas: - A qualidade em saúde é o grau ou nível em que os serviços aumentam a probabilidade de efeitos desejáveis dos cuidados, realizados em tempo útil, e diminuem a probabilidade de efeitos indesejáveis, tendo em conta o estado da arte e a maximização da sua efectividade ao melhor custo.
A efectividade dos cuidados significa o grau de sucesso dos resultados obtidos, tendo em vista os benefícios pretendidos, no contexto específico, ou seja, nas condições reais em que se realizaram. Se o fossem nas condições ideais falaríamos em “eficácia”. A “efectividade ao melhor custo” significa tirar o máximo partido de um conjunto de recursos através da sua combinação da forma mais adequada para a obtenção de determinado objectivo.
A propósito deste conceito, é oportuno registar a diferença em relação à “eficiência”: - esta significa a optimização dos resultados com minimização dos custos, ou seja, tirar o máximo partido de um conjunto de recursos articulados e usados sempre de uma determinada forma.
Partindo da definição (conceito) de qualidade em saúde atrás referida, é fácil perceber quão difícil se torna garantir a referida qualidade, nomeadamente por exigir um esforço permanente de antecipação de risco e, consequentemente, de acções preventivas em relação ao mesmo.
Para melhor compreensão do que afirmo, vejamos como decorre o processo assistencial:
- O doente (utente) está presente durante o processo assistencial, porque ele faz parte do próprio processo de produção do serviço (é nele que reside o problema que justifica a prestação de cuidados);
- O processo de produção e consumo do serviço (prestação dos cuidados e usufruto dos mesmos) é simultâneo.
Esta característica de prestação de serviços (presença do utente, produção e consumo simultâneos do serviço, o doente/utente faz parte do processo de produção do serviço) é completamente distinta da que se verifica noutras áreas de actividade: - por um lado, pelo “bem” que está em causa (a saúde), por outro porque não existe um espaço temporal entre a produção e o consumo.
Quando existe separação entre a produção e o consumo, é possível levar a efeito um conjunto de acções que verifiquem a qualidade do produto e, dessa forma, o cliente ter garantida a qualidade do mesmo quando o vai consumir.
Em suma: - se do processo de produção resultar defeito no produto, há possibilidade deste ser rejeitado, não chegando a ser colocado à disposição do cliente.
O produto defeituoso tornou mais cara a produção geral, mas não afectou a qualidade do que efectivamente é colocado à disposição do cliente.
Entretanto, identificada a causa do defeito na produção, podem adoptar-se medidas correctivas para evitar a repetição da situação.
Na produção de serviços de saúde, como se percebe, a realidade é completamente diferente.
Um erro na produção do serviço traduz-se, inexoravelmente, por não qualidade do mesmo, com maior ou menor impacto no doente/utente.
Com frequência, é possível corrigir o erro após a sua constatação. Porém, as consequências do mesmo (mais ou menos evidentes, com ou sem gravidade) já não podem evitar-se.
No entanto, sem falsos dramatismos, na prestação de cuidados de saúde os erros podem ser fatais.
O lema de “fazer bem à primeira vez e sempre” é de grande acuidade na prestação de serviços de saúde.
O exposto conduz-nos à necessidade de ponderar um outro aspecto:
- O que é que caracteriza o trabalho (processo assistencial) nos serviços de saúde?
Em minha opinião devem realçar-se, por um lado, a forma como se desempenha esse trabalho e por outro o tipo de procedimentos que incorporam.
Quanto à forma de desempenho, devem referir-se como características fundamentais a multidisciplinaridade, a interdependência dos profissionais e, finalmente, a permanente preocupação com a efectividade e eficiência do mesmo.
Do ponto de vista dos procedimentos, é por todos reconhecido que há procedimentos frequentes (de rotina), realizados por muitas pessoas diferentes; há procedimentos imprevistos (alguns raros) e outros realizados em situações de grande stress.
Sustentados nestas características concluímos facilmente que uma importante fonte de falhas de qualidade na prestação de cuidados são problemas no processo de produção de serviços, embora se tenha que levar em conta uma outra origem, que se prende com falhas de pessoas a realizarem o seu trabalho específico, individual.
É clássico o conhecimento de que as oportunidades de melhoria de qualidade na produção de serviços de saúde se traduzem em 85% dos casos por melhoria de desempenho da organização (processo assistencial) e só em 15% pelo desempenho individual (Juran).
De tudo o exposto é razoável concluir que quanto mais irreversível e de maior custo é o processo de produção de um bem ou serviço - como é o caso da saúde e do processo assistencial - maior empenho tem que existir não só em examinar a qualidade final do bem ou serviço produzido mas principalmente em conseguir garantir a melhor qualidade possível durante todo o processo de prestação/produção do serviço.
Assim se entende que a implementação de um sistema que permita promover a melhoria contínua de qualidade dos serviços prestados é condição indispensável e inadiável para o bom desempenho das unidades prestadoras de serviços de saúde.
A essa necessidade também conduz, aliás, a constatação de que o progresso da ciência médica e da tecnologia aumentou as expectativas das populações; que é evidente uma maior consciencialização dos seus direitos; que os custos implícitos na prestação de cuidados são cada vez mais elevados e não podemos esquecer o princípio da justiça distributiva e que já é uma realidade a evolução para a separação e consequente contratação entre entidades prestadoras e entidades pagadoras de serviços de saúde.
Para além disso, com a eliminação de barreiras entre os países da União Europeia (UE) – e consequente livre troca de bens e serviços - destaca-se a importância de possuir objectivos de qualidade claramente definidos, bem como dispor de sistemas de medição do seu cumprimento.
É nosso dever assumir por inteiro tudo o que decorre da nossa opção de integrar a UE, nomeadamente no que à saúde dos cidadãos diz respeito.
É obviamente importante a definição de alguns objectivos de qualidade incluídos nos Contratos Programa com as diversas instituições prestadoras de serviços de saúde, como tem vindo a acontecer.
Preocupa-me, no entanto, o facto de que não seja obrigatória a implementação de um Sistema de Gestão da Qualidade em todas essas instituições, bem como o desconhecimento mais ou menos generalizado do que isso significa, por parte de muitos profissionais que integram as respectivas equipas de gestão de topo.