quinta-feira, 18 de setembro de 2008

LAPSOS ?

In TEMPO MEDICINA ONLINE
de 2008.09.18
Artigo de Nuno Morujão*
No passado dia 7 de Julho, este Jornal («TM») publicou o artigo da minha autoria intitulado «O combate ao desperdício». Na sequência dessa publicação, o «TM» abordou-me para conversar sobre o conteúdo do mesmo artigo e uma semana depois publicou um outro, assinado por SRR, que intitulou «ULS de Matosinhos mais eficaz que SRS».
Neste contexto, adquiriu especial significado para mim o artigo que li na edição de 8/9/2008 do «TM», com o título «MS diz que pagamentos de alguns exames eram feitos por lapso».
São citados exames que, não constando da tabela da convenção, foram pagos (ou ainda o estarão a ser) pelos serviços das ARS, «recorrendo à nomenclatura de outro exame».
Aparentemente, para que tal se verificasse, dois cenários são possíveis: havia médicos que requisitavam MCDT não previstos na tabela da convenção e as entidades prestadoras realizavam-nos, atribuindo-lhes um código de outro exame (escolhido entre os que constam da tabela), documentando assim a respectiva facturação; ou então os médicos prescritores requisitavam exames que constam na citada tabela (aos quais corresponde um código) e as entidades prestadoras realizavam um outro exame (que não constava da mesma), garantindo assim um pagamento para este último.
A confirmar-se qualquer destes cenários, não podemos deixar de ficar seriamente preocupados.
Como refere em editorial o mesmo número do «TM», é «pitoresco e exemplar».
Quaisquer que sejam as explicações que possam ser dadas para justificar as anomalias verificadas -- incluindo a da desactualização da tabela da convenção --, irão sempre deixar sérias dúvidas sobre alguns aspectos críticos: a integridade, os valores éticos, a competência das pessoas, a genuína vontade de melhoria dos serviços. Que, obviamente, incluirão todas as partes envolvidas.
Obrigação de fazer reflexão séria
É nossa obrigação fazer uma séria reflexão sobre estas questões.
No «TM» de 15/09/2008 é publicado novo texto relacionado com o da semana anterior, intitulado «Não pagar eco-Doppler é retrocesso».
As boas práticas clínicas resultam, naturalmente, da evolução dos conhecimentos científicos. A revisão e actualização de protocolos clínicos é levada a efeito quando novos conhecimentos evidenciam que da sua aplicação resultará uma melhoria de qualidade de serviços de saúde. Para serem credíveis, têm de estar sustentados na transparência do processo de decisão e dos procedimentos relacionados.
As boas práticas na área da gestão também têm a respectiva fundamentação e resultam da evolução do conhecimento, sem prejuízo da necessidade de ajustamento a novas realidades. Ou seja, para que sejam credíveis, também carecem da indispensável transparência.
O «expediente» utilizado para garantir o pagamento de exames não previstos na tabela da convenção, baseado ou não num invocado «consentimento» de órgãos da tutela, não é nada transparente.
Peca até por servir de «exemplo» para eventuais situações a todos os títulos fraudulentas, abrindo portas ao desperdício e ferindo de morte a fiabilidade e as boas práticas da gestão financeira das instituições.
Ninguém de bom senso pode concordar com o princípio de pagar «lebre» por «gato» e ainda defender a manutenção de uma tal situação.
Como é evidente, se a tabela está desactualizada, a única forma correcta de actuar é desencadear diligências para que as entidades competentes se debrucem sobre a questão e tomem a decisão de a rever.
Atitude que desde há muito devia ter sido adoptada por quem representa as entidades convencionadas e pela Ordem dos Médicos.
Tanto mais que a referida desactualização já se verifica há anos.
Seria importante uma explicação transparente para esta aparente omissão. Como também seria da maior importância uma explicação transparente, por parte das entidades pagadoras, para a existência de «lapsos» como os que têm vindo a ser relatados, que se arrastam há muito tempo.
*Médico
Subtítulo e destaques da responsabilidade da
Redacção TEMPO MEDICINA ONLINE de 2008.09.18