segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

BASTONÁRIO COMENTA AO "JORNAL DE NOTÍCIAS" A ENTREVISTA DO P.C.A. DO HOSPITAL DE S. JOÃO

Bastonário diz que analisar os actos clínicos em termos de números e produtividade é "uma loucura".
O anúncio de que o Hospital S. João vai divulgar as listas de assiduidade e produtividade dos seus funcionários não caiu nada bem na Ordem dos Médicos.
O bastonário diz mesmo que é "uma coisa absolutamente bizarra".
À semelhança do que acontece em outros sectores profissionais, o presidente do Conselho de Administração do Hospital de S. João, no Porto, anunciou, em entrevista ao JN, que iria divulgar internamente as listas de assiduidade e produtividade dos seus funcionários como meio de combater o absentismo e aumentar os índices de produtividade.
Apesar de ainda estar no papel, a medida já mereceu sérias críticas do bastonário da Ordem dos Médicos que diz que a Saúde é uma área específica que não pode reger-se por critérios económicos, senão podem ficar em cheque os direitos dos doentes.
"Perdemos a noção das proporções no que diz respeito à Saúde", disse Pedro Nunes ao JN.
"Não há maneira de analisar os actos médicos em termos de números e produtividade. Os economistas que acreditam nisto enlouqueceram. Não fazem ideia do que é o acto médico e estão a dar cabo do exercício da medicina e a pôr em causa os direitos dos doentes".
Segundo o bastonário, em Portugal, a Medicina era controlada e analisada pelos directores de serviço que eram responsáveis pelas suas equipas tendo em conta a qualidade e não a quantidade.
"Isto sempre funcionou e sempre tivemos uma Medicina de qualidade", recorda.
Na sua opinião, o problema começou quando a economia começou a ditar as regras no sector.
"De repente, para dar emprego a esta gente toda que sai das faculdades de Economia e que não faz a mais pequena ideia do que é o acto médico, criou-se uma perversão que está a destruir o Serviço Nacional de Saúde".
E, para Pedro Nunes, "o pior é que ninguém põe cobro a isto".
"A Ordem está muito interessada em que parem com tudo isto. Não para os médicos trabalharem menos, porque sempre trabalharam muito e vão continuar a fazê-lo, mas para que as pessoas possam ser bem tratadas e para que o dinheiro público não esteja a ser desperdiçado em coisas inúteis".
O bastonário também contesta a publicitação, ainda que internamente, das listas de assiduidade por uma questão de reserva da vida privada. "Ninguém tem nada que saber se faltei por estar doente ou não", exemplifica.
De acordo com Pedro Nunes, é o próprio administrador do S. João que reconhece que a instalação dos prontómetros não serviu para nada e não aumentou a produtividade porque as pessoas não trabalham mais ou menos pelo facto de porem lá o dedo.
"Já tínhamos dito exactamente a mesma coisa aquando da apresentação destes equipamentos. Até uma economista que foi ministra da Saúde - Manuela Arcanjo - disse que aquilo era um disparate.
Mas, mesmo assim, o ministro Correia de Campos, andou a comprar relógios de ponto para o país inteiro. E gastaram uma fortuna - ainda nem se sabe bem quanto - montaram-se prontómetros em todos os hospitais e o resultado foi zero".
O conceito de responsabilizar os trabalhadores pela sua assiduidade e produtividade perante os seus pares é uma ideia que já tinha sido aflorada no Hospital de S. João no início do mês passado.
Falando num seminário sobre gestão hospitalar, Zeinal Bava, administrador da PT, revelou que diariamente eram publicadas na rede interna da empresa os índices de produtividade de cada trabalhador e que isso tinha tido reflexos positivos no empenho dos funcionários.
António Ferreira, que também foi um dos oradores, terá gostado tanto da ideia que a decidiu colocar em prática no seu hospital.
Porém, a Ordem dos Médicos já revelou a sua discordância com a medida e a controvérsia está lançada.
Tiago Rodrigues Alves

domingo, 4 de janeiro de 2009

HOSPITAL DE S. JOÃO - ENTREVISTA DO PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO AO "JORNAL DE NOTÍCIAS"

A requalificação do Hospital de S. João está em curso e trará algumas novidades.
Parte do edifício será transformado em quartos particulares que qualquer utente poderá pedir e pagar. Em breve, não existirão apenas para a obstetrícia mas de forma generalizada.

O plano passa, também, por um novo hospital pediátrico, com professores a acompanhar as crianças, e uma escola para os filhos dos funcionários, até ao nono ano. O hospital está em obras.

Os projectos para 2009 incluem um novo centro de ambulatório?
Qual é o nosso conceito em termos gerais?
É ter um hospital de urgência que articula com o hospital de internamento.
E este, depois de remodelado, é de silêncio, de tranquilidade, de paz. Portanto, a ele só devem aceder os doentes, os profissionais, os familiares e as visitas.
Depois, entre o edifício principal e o IPO, ficará o hospital de ambulatório. O que conseguimos com isto?
Que o acesso pela parte da frente do hospital seja descongestionado porque é só para doentes e visitas. Os profissionais não entram por aqui.
Para quando o novo centro?
A construção começará no primeiro trimestre de 2009.
Vai ter seis pisos e estará voltado para a estação do metro. Terá todos os serviços e especialidades que não precisam de internamento. Há serviços que ainda funcionam no edifício interior e que são de ambulatório.
Vai ter também o laboratório centralizado e a unidade de cuidados paliativos, que tem de estar numa zona de interface com o exterior e acessível às famílias.
Atrás, na parte Sul, ficará um centro de apoio e lazer para profissionais - uma escola que terá desde a primeira infância até ao nono ano.
Estão previstos investimentos apenas com dinheiro de privados. Estamos a falar de que projectos?
Do hospital pediátrico.
Quando o S. João passou a EPE (entidade pública empresarial), foi dotado de um capital social.
Um dos objectivos era saldar a dívida.
Saldou-se e ficou um remanescente.
Entendemos que uma área apelativa é a da criança, desde que nasce até à adolescência.
Já reconstruímos a área materno-infantil e, no início de 2009, arranca a construção do hospital pediátrico.
Usando a área da nova pediatria?
Usando a área de pediatria que temos, que são dois pisos, e ampliando-a para quatro. E construindo unidades de cuidados intensivos de neonatologia, doentes imuno-deficitários, e todo um serviço de pediatria novo.
Esse acrescento à área pediátrica será só com dinheiro privado?
Sim. O que estamos a propor às empresas são duas coisas.
Primeiro, um apelo à sua responsabilidade social, mas que, naturalmente, rende pouco. O resto é um apelo a um investimento centrado numa parceria que temos preparada com um canal de televisão.
Quando ficará pronto?
Prevemos que no início de 2010. Temos, ainda, uma parceria com a Direcção Regional de Educação do Norte. No serviço da pediatria, da mesma forma que a criança vai ser acolhida por médicos, será acolhida por professores, para que possa manter o processo educativo.
O serviço terá duas áreas: uma com 300 metros quadrados, que é o centro lúdico, de brincadeira para as crianças internadas e com acesso às tecnologias de comunicação para falarem com os pais, ao mesmo tempo que estão a ver-se.
Em que consiste a segunda área?
Tem quase 500 metros quadrados e será algo parecida com o conceito do planetário, ligado ao exterior, um ponto de visita. Permitirá às crianças interagir com as restantes. Queremos criar a cultura de que o hospital não é gueto.
Com esta requalificação hoteleira de 82 milhões de euros, o objectivo é competir com o sector privado?
À medida que o sector público aumentar a eficiência, vai concorrer com o privado. Mas não ponho de parte que o hospital de arranjar proveitos que não venham directamente do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Isto é, tem de colaborar no sentido de encontrar fontes alternativas de financiamento que, por ser empresa e ter responsabilidade empresarial, lhe permitam contribuir para diminuir o encargo do SNS com a gestão do hospital.
Isto significa, também, abrir portas para termos espaço para quartos particulares. Serão destinados a doentes do SNS que querem ser internados, mas ficando num quarto particular. Pagam do bolso deles.
Qualquer utente pode usá-los?
Um doente que queira um quarto particular, paga o excesso e pode ter a mulher a dormir com ele.
Para quando isso será possível?
Depois de Março de 2009, vamos começar a ter quartos particulares. Neste momento, isso só existe na obstetrícia. A ideia é generalizar.
Como foi possível diminuir a lista de espera para cirurgia?
A lista de espera cirúrgica resolve-se, fundamentalmente, aumentando a produção dos blocos operatórios. Gerindo-os melhor.
E como se faz isso?
Faz-se começando a horas, não terminando antes do tempo. Agendando o bloco de forma a que não haja falhas de doentes, nem que haja utentes recusados porque falta isto ou aquilo.
Do mesmo modo, faz-se garantindo que temos colheitas de sangue em quantidade suficiente para que nenhum doente deixe de ser operado, bem como incentivando os médicos a ter produção para além do horário de trabalho.
Foi isso que o hospital fez. Fomos operando e diminuímos os doentes que tínhamos em lista de espera. Às tantas estávamos perante o drama de estar a trabalhar e não ter doentes. Por isso, tivemos de colocar-nos no mercado.
A lista é ainda bastante elevada?
O número da lista de espera não é o relevante. O hospital precisa de ter doentes a procurá-lo. Relevante é o tempo que demoramos a recebê-los. Esse tempo desceu de 96 para 73 dias, só num ano.
Isso já é satisfatório?
É, porque a lista de espera não se avalia só pelo número absoluto. Por exemplo, não há um doente no Hospital de S. João com doença oncológica que precise de uma cirurgia para cancro que ultrapasse o tempo aceitável internacionalmente de espera.
E, depois, há o número global de tempo de espera cuja média desceu para os tais 73 dias. Mesmo recebendo mais doentes, vamos operá-los mais depressa.
Reduzir a lista é muito fácil em termos administrativos, é só dizer que não aceitamos nova referenciação, que não temos mais capacidade para aceitar doentes. E a lista de espera do hospital desaparece.
Falou em sensibilizar os médicos para trabalhar para além do horário. Teve, também, de lidar com os médicos faltosos?
Podemos falar de médicos, mas falemos de todos os profissionais.
Neste hospital, temos dois grandes grupos: os profissionais da Função Pública e os que agora fazem contrato individual de trabalho.
A taxa de absentismo na Função Pública, em termos brutos, é da ordem dos 14 a 16%.
Nos contratos individuais de trabalho não ultrapassa um por cento.
E é preciso que se desmistifique a ideia de que só acontece com os médicos.
Temos profissionais que faltam 59 dias, vêm trabalhar dois ou três e faltam mais 59, com base em atestados. Isto é estratégico.
Como se resolve isto?
No respeito por todos os direitos legais, com a publicação das listas de ausências. Isto nos locais de funcionários do hospital, não para doentes ou visitas.
E há outra coisa, o pontómetro (para picar o ponto) não diz o que estão a fazer no hospital.
O que produziram? Os médicos deram consultas? Viram doentes?
Dos futuros painéis irá, então, constar a produtividade?
Exactamente. Isso é fundamental. Terá o que fizeram durante aquele mês.
Com a "corporate TV", para o ano, vamos ter essa possibilidade.
É um sistema interno de televisão. E isto é fundamental porque quem não faz nada um dia há-de ter vergonha disso.
O hospital tem gestão hoteleira de camas e espaços?
Os serviços não são quintas dos directores de serviço, não são espaços rígidos onde só entram doentes da especialidade.
O internamento deve obedecer às características do doente. Se precisa de uma unidade especial ou de uma intermédia, é para lá que tem de ir.
Quanto às camas de internamento geral, os doentes que não precisam de condições especiais, tecnologicamente diferenciadas, ficam nas enfermarias e quartos com base numa gestão hoteleira.
Em que se traduz na prática?
Se no piso 4, para onde deveria ir o doente de medicina interna, não há uma cama vaga mas há no piso 6, então esse utente vai para o sexto piso e os médicos também. Enquanto houver uma cama vaga, não pode haver um doente no corredor e este foi o conceito que mudou.
Outra aposta do hospital é haver poucas camas por quarto?
Tirando as unidades de cuidados intensivos ou diferenciadas, o standard é ter três, duas ou uma cama.
Por sermos capazes de tratar mais doentes em ambulatório, também reduzimos o número de camas do hospital e o objectivo, no final dos seis anos de aplicação do plano estratégico, é ter 950 camas. Havia 1270 quando começámos. Hoje, andam à volta de mil.
Carla Soares