domingo, 3 de outubro de 2010

A PROPÓSITO DO "RELATÓRIO ANUAL SOBRE O ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE NO SNS" E DAS UNIDADES LOCAIS DE SAÚDE

As respostas aos objectivos essenciais que constituem os pilares de serviços de saúde de qualidade garantidos a uma população, podem sintetizar-se da seguinte forma:
1. Acesso aos Serviços - Está de acordo com o que necessitam os utentes da área de influência da instituição?
2. Equidade de acesso - Há igualdade de oportunidade de acesso aos cuidados, em circunstâncias idênticas?
3. Satisfação das Necessidades - Os serviços prestados respondem, de facto, às necessidades das populações da área de influência da instituição?
4. Aceitação Social - A forma como os serviços são prestados é aceitável para as pessoas que servimos?
5. Eficiência - Os serviços são prestados de forma tão eficiente quanto possível tendo presentes os recursos disponíveis?
6. Efectividade - Os serviços cumprem os benefícios e resultados pretendidos em termos de cuidados de saúde?
As respostas às perguntas formuladas traduzem os resultados da prestação de serviços. Para que esses resultados sejam os adequados, não bastam as estruturas ou modelos de organização específicos das instituições prestadoras.
O modelo de organização ULS, ao integrar os Cuidados de Saúde Primários e os Cuidados Hospitalares, do meu ponto de vista não só é facilitador de uma melhor articulação entre os diferentes tipos de cuidados, como também potenciador da eficiência e efectividade dos cuidados prestados aos utentes.
Há poucos anos, relativamente a outros indicadores, foram conhecidos resultados que revelavam o potencial das ULS em termos de eficiência e da efectividade de cuidados. Também foram conhecidos os resultados da satisfação dos utentes.
Tanto para o que refiro sobre eficiência e efectividade, como sobre a satisfação dos utentes, estou a considerar estudos realizados pela Universidade Nova de Lisboa que incluíram a Unidade Local de Saúde de Matosinhos. Em qualquer dos casos, a pedido do Ministério da Saúde. O último foi concluído/publicado em Novembro de 2007 - estudo para a Unidade de Missão dos Cuidados de Saúde Primários.
Os resultados que constam do Relatório Anual sobre o Acesso a Cuidados de Saúde no SNS, recentemente publicado, não parecem provar, de facto, a esperada eficácia na articulação entre os diferentes tipos de cuidados, pelo menos por parte de algumas das ULS identificadas.
Percebe-se facilmente que a razão de ser deste facto não tem nada a ver com o modelo de organização ULS.
Mesmo para os que não considerem este modelo facilitador da citada articulação entre Cuidados Primários de Saúde e Cuidados Hospitalares, parece-me evidente que não há forma de explicar porque é que o mesmo dificultaria essa articulação…
Poderão ser invocadas, naturalmente, diversas causas sobre as quais os responsáveis das diversas organizações (todas elas) não têm capacidade de intervenção.
Quanto a mim, precisamente porque essas causas não afectam exclusivamente as ULS, a explicação está no facto de que há uma componente fundamental que o modelo ULS, só por si, não garante: - a liderança.
E para se conseguirem resultados, para dar resposta aos objectivos, é preciso congregar vontades, ou seja, liderar pessoas.
Se as pessoas, que constituem o mais importante activo da organização, não forem envolvidas na gestão, permitindo-lhes a expressão da sua vontade no contexto da missão da instituição, na participação da definição de visão da mesma, não estarão motivadas para colaborar na definição dos objectivos (resultados a alcançar) e na definição da estratégia para os concretizar.
Sem objectivos claros e percebidos por todos, sem comunicação, sem motivação por um verdadeiro reconhecimento, sem liderança reconhecida e aceite, não há equipas ganhadoras.
Nos responsáveis das instituições prestadoras de cuidados de saúde tem que existir a firme convicção de que nos profissionais de saúde reside a capacidade, vontade e saber para garantir a qualidade, a eficiência e efectividade dos cuidados. E que por isso é crucial conseguir o seu compromisso, a congregação de vontades.
Só em conjunto (órgãos de gestão e chefias intermédias) é possível a definição de estratégias consistentes, tendo em vista os objectivos a alcançar e, concomitantemente, a definição de indicadores para ir acompanhando - e acompanhar de facto - o desempenho com vista aos citados objectivos.
Parece-me que o que se tem verificado é que a gestão de topo enuncia objectivos, assumindo-se como mero “entreposto” entre a tutela e as chefias intermédias, passando-se em claro tudo o que acabo de expor.
Ou seja, demitindo-se da liderança, da definição de estratégias consistentes, do acompanhamento efectivo do desempenho dos profissionais.
E assim, das duas uma:
- ou não sabem para onde vão ou para onde querem ir… e vão terminar o caminho num sítio qualquer; - ou sabem para onde vão ou para onde querem ir, mas não verificam se estão no rumo certo… e vão terminar o caminho noutro sitio qualquer…
Sabemos que há instituições em que órgãos de extrema importância para a comunicação, para a definição de estratégias a seguir tendo em vista a missão e objectivos a alcançar, como o Conselho Médico, por exemplo, não reúnem há tempos imemoriais.
De igual modo, não se realizam com frequência reuniões de acompanhamento com as chefias intermédias, para análise dos indicadores de desempenho dos Serviços e da instituição, com consequente definição de planos de acção para correcção de eventuais desvios.
Perante isto, o que concluir da liderança? O que é que se pode esperar da congregação de vontades? Que tipo de estratégia consistente para alcançar objectivos poderá existir num cenário destes? Creio que a explicação de resultados à vista (e de outras consequências) radica nesta questão fundamental.