sexta-feira, 3 de outubro de 2008

O DEBATE DA SAÚDE

Tenho por hábito coleccionar artigos que vou lendo nos órgãos de comunicação social e que, por uma razão ou outra, me despertam mais interesse e/ou se revestem de maior significado. Embora sejam muito diversas as temáticas que vou acumulando nos meus “arquivos”, a Saúde é uma delas, como não podia deixar de ser. Penso que reproduzir neste blogue alguns desses textos poderá ser positivo pelo contributo que darão para reflexões de diversa natureza e que, no meu ponto de vista, são oportunas e actuais. Eis porque seleccionei este artigo do Doutor Paulo K. Moreira.
Paulo K. Moreira - In Diário Económico – 2 de Março de 2006
Reconheçamos que é difícil satisfazer as expectativas de todos os stakeholders no que diz respeito às reformas preconizadas para o Serviço Nacional de Saúde (SNS).
As críticas de origem política, profissional e económica às actuais propostas e dinâmicas far-se-ão ouvir de forma crescente nos próximos meses e anos. Para isso, é importante que façamos um esforço no sentido de promover a disseminação de conceitos e parâmetros comuns para que o debate construtivo possa ter lugar.
Ou seja, não é intelectualmente aceitável a exigência de soluções para problemas que não são sequer claramente compreendidos entre todos os protagonistas. Neste sentido, proponho que iniciemos o esclarecimento de algumas premissas fundamentais que, na perspectiva internacional, legitimam um debate sério sobre a política de Saúde nacional.
Uma primeira premissa, que poderá chocar alguns gestores da Saúde portugueses, é que a Organização Mundial de Saúde (OMS) está a ser, gradualmente, substituída pelo Banco Mundial (BM) na definição das prioridades das políticas globais de Saúde. Trata-se de uma aparente mudança de paradigma das políticas de Saúde promovida, entre outros fenómenos, pelas consequências da comparação entre três modelos tradicionais de financiamento:
1) O modelo de reembolso é vulnerável às falhas de controlo de custos; 2) O modelo integrado, em que o Estado é prestador e financiador, é vulnerável às falhas de micro eficiência; 3) O modelo de contratualização que parece oferecer potencial para combinar eficiência macro e eficiência micro.
Foi a partir da comparação entre modelos de financiamento da Saúde que se deu a génese das reformas da política de Saúde em vários países desde 1990. Dos EUA ao Reino Unido, passando pela Holanda, Espanha, Suécia, Itália e Alemanha, surgiu a prática discursiva da “reinvenção” da governação, a criação de novas instituições e, sobretudo, de novas responsabilidades e papeis para os sectores público e privado em igualdade de circunstâncias. Assim, foram introduzidas dinâmicas de “concorrência gerida” no sector da prestação de cuidados de Saúde ou seja, introduziram-se formas de “mercado interno no SNS” aberto, em diferentes graus e formatos, à presença de agentes privados com fins lucrativos.
Embora esta dinâmica esteja ainda na sua infância, a verdade indiscutível é que a atenção do debate sobre as políticas de Saúde começa a afastar-se da crítica ao “aumento descontrolado dos custos” e passa a centrar-se nos “resultados obtidos com a despesa da Saúde”. Ou seja, o debate passa a centrar-se na criação de valor resultante do investimento nos SNS nacionais.
Ora, o BM está, claramente, muito interessado nesta segunda dinâmica de desenvolvimento das políticas de Saúde e propõe alguns princípios que, depois de aceites, deverão redefinir profundamente as políticas e os Sistemas de Saúde, sendo certo, porém, que os princípios paradigmáticos delineados pela OMS para as políticas de Saúde continuam, ainda assim, a alimentar esforços e discursos a este nível.
Porém, há sinais claros que a agenda da OMS é pressionada pelo BM, nomeadamente no contexto das suas premissas para o desenvolvimento económico e respectivas reformas estruturais em que, no que diz respeito à Saúde, o BM define as seguintes estratégias:
a) A promoção de ambientes que contribuam para a melhoria da Saúde das famílias deve realizar-se através do crescimento económico e educação (e não de mais serviços de saúde); b) A despesa pública na Saúde deverá promover a redução da “má” despesa em Saúde (a que promove poucos ganhos em Saúde) e os governos deverão financiar pacotes de “serviços clínicos essenciais” e definir a lista de serviços tendencialmente gratuitos; c) Os governos deverão promover diversidade e concorrência na provisão dos serviços clínicos não essenciais através de estímulos aos seguros de Saúde, aos sectores público e privado de prestação e publicar as comparações de perfomance dos prestadores do SNS.
E em Portugal, quando debateremos a definição de “serviços clínicos essenciais”? E a definição de estratégias de promoção de diversidade e concorrência na lógica de redução da “má despesa em Saúde”?